sábado, 28 de abril de 2012

Manuscrito encontrado sobre o colchonete

      Sempre fui um cara calmo, dificilmente conseguiriam me tirar do sério. Na escola, sempre fui o tipo de cara que apaziguava as brigas, nunca me envolvia nelas. Talvez a raiva seja acumulativa, pois o que aconteceu comigo naquele dia não tem nada a ver com minha personalidade.
      Estava saindo do trabalho, num dia nublado e desgraçadamente gelado. Acabara de ter um dia estressante, e minha cara fechada mostrava isso. Estava vestindo minha habitual jaqueta de couro e meus coturnos militares, vestuário adequado do tipo de pessoa que procura evitar conversas desnecessárias. Caminhando de fones de ouvido, ao som de Annihilator, pensando na vida e na morte, até que resolvo passar em frente a antiga estação de trem desativada, agora ponto de encontro de junkies e adolescentes pseudo-perigosos. Pessoas andando de skate, outras fumando maconha, bebendo, conversando aos gritos. Em algum lugar no meio do pessoal tinha alguém com um violão, atraindo a atenção daqueles que passavam tocando todo tipo de clichê do rock nacional. Cena comum.
      Mais a frente, me deparo com um grupo de pessoas, com 14 anos de idade em média, bebendo coisas quase-não-alcoólicas, e agindo como completos idiotas. Algumas menininhas de cabelo desfiado e moleques com franja no rosto, com skates debaixo do braço e conversando como piratas bêbados, como se fosse a coisa mais linda do mundo.Nunca gostei muito desses tipinhos, rebeldes sem nenhuma razão, do tipo que sai pra tomar Smirnoff e tem que chegar em casa as 8 pro jantar. Tipicamente um bando de crianças tentando ser descoladas.
     Apesar de não gostar dessa parcela de pessoas que frequentava a estação, sempre passava e não me incomodava. Tento ser o mais justo possível no que faço,e a minha visão de justiça nesse caso, era que se eles não mexessem comigo, eu também não tinha motivos pra atrapalhar suas cenas vergonhosas. Pois bem.
      Nesse dia, passava tranquilamente, até que um dos membros desse grupinho resolve mexer comigo. Provavelmente queria se autoafirmar na frente das garotinhas que ali estavam e, já bastante alterado pelo líquido que bebia, vem cambaleando para perto de mim, me olhando nos olhos. Estava com um skate na mão. Jogou o skate no chão e subiu em cima, e continuou vindo pra perto de mim, sempre me olhando nos olhos. Quando estava bem perto, levantou a mão e apontou o dedo pro meu rosto. Ele não devia ter feito isso.
      Não sei que força estranha se apoderou de mim. No momento que ele ergueu a mão, já peguei em seu pulso, e puxei. Como estava tonto, não ofereceu resistência à queda, e caiu com a testa no chão, desmaiado. Mas pra mim não foi o bastante. Aquela energia esquisita me fazia querer mais que aquilo, e enquanto os outros adolescentes olhavam atônitos, comecei a pisotear a cabeça do moleque desmaiado. Logo na primeira, o rastro do meu coturno ficou estampado em seu rosto, mas não acordou. Continuei pisoteando, sentindo a fúria acumulada por anos, finalmente fluindo. Os outros que ali estavam simplesmente não reagiram, simplesmente acharam a cena inesperada demais pra tomar alguma atitude. Pisoteei cada vez mais forte, até que começou a sangrar. Os olhos do moleque agora já estavam abertos, esbugalhados, quase saltando das órbitas. Não parei. Continuei, e de novo, e de novo, até que ouvi um estalar. Estava partindo a cabeça do sujeito inerte, enquanto algumas garotinhas que ali estavam começavam a vomitar. Outras choravam. Os meninos olhavam simplesmente sem entender, enquanto eu esmagava a cabeça do companheiro deles com meu coturno. Transformei a órbita craniana do moleque numa uva passa.
      Então, recuperando o controle, olhei em volta, pro rosto de cada um deles. Alguns haviam desmaiado também,não suportando ver a cena. Outros choravam. Alguns entraram em convulsões, outros vomitavam. O fato é que nenhum deles sequer falou comigo, ou investiu contra mim. Então, calmamente, saí da poça de sangue que havia se formado, caminhando tranquilamente, deixando pegadas de sangue. Sensação indescritível.
    E hoje é meu último dia nessa maldita cela. Daqui a pouco chegam os doutores, com a injeção letal. Só queria descrever o que aconteceu de meu ponto de vista. Sei que o que fiz foi uma monstruosidade e não sou inocente, mas agora eu pergunto: existe alguém inocente nesse mundo?


Procrastinando, The Bones

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