quarta-feira, 4 de abril de 2012

O outro lado de "A morte e o renascimento do entardecer"

Dia das mães de 2008, eu estava sentado na viatura com meu jovem "parceiro" como de costume. Ele era um jovem magrelo e vivia tagarelando coisas insuportáveis, mas eu gostava de trabalhar com ele, era um bom rapaz. Os dias de policial nessa cidade eram muito monótonos e meu instinto alimentado por filmes policiais americanos me fazia desejar que alguma coisa acontecesse para dar um pouco de ação em minha vida.
Era um domingo como todos os outros, morno, mas alguma coisa estava errada, eu podia sentir isso nos ossos, no clima dentro do carro, e eu raramente errava sobre essas coisas.
De repente um chamado no rádio, um chamado que mudaria completamente o rumo da minha vida.
Um jovem abriu fogo com uma metralhadora, na praça de alimentação lotada de um shopping da cidade.
Um arrepio cruzou minha espinha como uma faca. Eu havia dado dinheiro para o meu filho de 18 anos ir até lá comprar um presente para minha mulher. Pela janela do carro joguei meu último cigarro pela metade e tentei ligar para meu filho. Ele nunca atendeu o celular. Nunca mais atenderia.

Fomos uma das primeiras equipes a chegar ao local, um Major com cara de espanto recepcionava os policiais que iam chegando. Ele nos disse que o "meliante" havia feito várias vítimas letais e que estava fortemente armado. Minha ansiedade para entrar e estourar a cabeça do infeliz atirador me fazia suar como um porco. O medo desesperador de encontrar meu filho no meio dos mortos me impedia de prestar atenção nas ordens do Major. Perdi o controle. saí correndo com minha medíocre pistola shopping à dentro, os outros policiais fizeram o mesmo, vieram logo atrás de mim. Subi as escadas com um pique invejável para um fumante compulsivo. Ao final dos degraus meu parceiro ofegante me alcançou.
Fomos andando com cautela pelos corredores enquanto o som dos policiais subindo as escadas tirava minha atenção. Cheguei à praça de alimentação e dei de cara com a cena mais aterrorizante de toda a minha vida.
Corpos. Havia corpos e sangue pra todo lado, e então eu o vi. Ele estava lá, parado, com um sorriso paranóico estampado no rosto observando os mortos. Ele era só um cara, desses que você vê o tempo todo nas filas de supermercado, um cara que você jamais diria que era capaz de cometer tamanha crueldade.
Saquei minha arma e mirei, mas vi meu parceiro ser baleado na perna. Atirei.
Pude sentir o impacto da arma e ver o corpo do filho da puta cair.
Eu deveria ter ido até lá e descarregado minha pistola na cara dele, mas me prendi a vasculhar as vítimas com esperança de não encontrar meu filho ali.
O sangue grudava em meus pés enquanto eu caminhava. Havia crianças, mulheres, velhos e todo o tipo de pessoas espalhadas pelo lugar. Comida e pedaços de roupas se misturavam na poça coletiva de vermelho escuro. Não encontrei meu filho. Um lapso de calma se abateu sobre meu coração, mas ele não duraria muito.

Voltei até meu parceiro ferido para ver se estava bem. Ele chorava feito uma criança, mas levando em consideração o estrago que o tiro fez em sua perna, não falei nada. Provavelmente teriam de amputar, não sobrou muita coisa para costurar ali. Resolvi voltar para frente do shopping e esperar, não havia mais nada a ser feito, afinal, atirei bem no coração do cretino. Enquanto caminhava pelos corredores voltando, dois paramédicos passaram correndo por mim e me fizeram olhar para trás, e foi então que eu vi uma pequena poça de sangue embaixo de um banco. Fui até lá para ver o que era, e este é o instante que nunca saiu da minha cabeça. Enquanto eu me aproximava do banco pude ver uma mão estendida e um pedaço do que outrora fora uma cabeça. Puxei a mão fria e arrastei o corpo para dar uma olhada. Era ele. Meu filho, todo ensanguentado e com buracos por toda a parte, o celular ainda estava em uma das mãos. Meu coração deu um nó e no mesmo instante comecei a vomitar toda a porcaria que tinha comido antes. Puxei o outro corpo para ver quem foi o verdadeiro amigo que morreu com ele, e ironicamente era um dos caras que eu mais implicava. Peguei o celular da mão do que restou do meu filho e vi meu numero discado na tela, ele não teve tempo de apertar o maldito botão verde.

Depois desse dia minha vida acabou. Minha mulher não suportou a dor de perder o único filho no dia das mães e se matou 3 semanas depois do enterro. Eu virei um trapo humano, bebendo o tempo inteiro para tentar suportar a dor. O filho da puta responsável pelo ataque sobreviveu ao meu tiro. Eu jurei matar o médico que salvou sua vida, um cirurgião chamado Francisco Verat, mas seu corpo foi achado mês passado (ou o que restou dele, já que a cabeça e os braços foram arrancados).
O lixo ficou no hospital por 2 meses, e no dia do seu interrogatório fui impedido de entrar na sala por ter envolvimento pessoal com o caso. Pedi para meus colegas fazerem ele sofrer ao máximo, e depois de 19 horas meu melhor amigo me entregou um lenço com 4 dedos e vários dentes. Foi o primeiro sorriso que dei em um longo tempo.

Quando chegou o tão esperado dia do julgamento, fui impedido de entrar no tribunal por estar bêbado, fui até um bar e assisti pela TV. Era um circo, cheio de frescuras. O advogado de defesa do "monstro tatuado" tinha que andar com escolta policial 24 horas por dia, devido às milhares de ameaças de morte. O julgamento foi relativamente rápido, e todo o bar comemorou como um gol de final de copa do mundo quando a juíza disse "culpado".
30 anos, era esse o tempo que eu teria que esperar. Tudo que eu tinha virou pó, aquele filho da puta tirou os dois únicos motivos que eu tinha para viver, mas eu acabei encontrando algo para continuar respirando:
Não descansar enquanto não esquartejar cada milímetro do corpo do responsável pela morte de meu filho.
Meu avô costumava dizer, nunca provoque um homem que tenha o diabo tatuado no corpo, ele não tem nada a perder.
Eu serei a primeira pessoa que aquele maníaco irá encontrar ao sair da cadeia, e eu  vou ensinar com toda a paciência do mundo, o que o diabo pode fazer quando lhe tiram um filho.
A vingança e o álcool fazem 27 anos passarem voando...


( viu? não importa as razões ou os caminhos, no fim, todos acabam cruelmente iguais)


Sem amor: The Bad

Um comentário:

  1. Ah, ele é um fã do diabo, tô ligado. Mas esses não são os mais perigosos. Os piores são aqueles de quem o diabo é fã.

    ResponderExcluir