quarta-feira, 18 de abril de 2012

Por minha honra

Eu deveria ficar calada, em completo silêncio, escondida nessa cidade cinzenta, mas as circunstâncias me forçam a dar uma resposta. Sempre sonhei que viveria em Londres, mas não dessa forma.
Meu marido, como muitos sabem, foi o responsável pela morte de 49 pessoas em um shopping da sua maldita cidade, e desde então, nesses últimos 2 anos, muitas coisas são escritas e ditas sobre ele. E são exatamente essas coisas que me fazem redigir esta carta à sua redação. Meu marido foi descrito como monstro, lunático, sem coração e até mesmo como o próprio anti-cristo nas páginas do seu medíocre jornal. Venho por meio desta, esclarecer uma coisa que nunca foi exposta nas suas manchetes ou em nenhuma outra reportagem: A VERDADE.
Meu marido era um homem exemplar, amável, pagava seus impostos em dia, fazia trabalho voluntário, era doador de sangue e de medula óssea. Era um professor respeitado por seus alunos, e nas horas vagas ensinava música para crianças de graça. Claro que isso não traz de volta as 49 vidas que foram tiradas, mas coisas sobre este assunto, que sua cidade aparentemente prefere esconder, precisam ser ditas.
Logo após meu marido ser baleado no shopping e ter sua identidade divulgada na TV, a minha até então, amigável vizinhança, ateou fogo em minha casa e meu carro, me perseguiu pelas ruas com paus e pedras como se eu mesma houvesse efetuado os disparos. Só fui salva graças à um senhor taxista que não fazia a menor ideia do que estava acontecendo. Vocês, redatores deste lixo impresso, fizeram milhões de reportagens sobre "como vivia o demônio", "qual era a playlist para matar" e muitas outras babaquices do gênero, mas instintivamente esqueceram de noticiar as centenas de feridos nos protestos contra o prefeito, os vários incêndios que quase consumiram sua tão amada cidade e os mortos, ah os mortos! Vocês simplesmente preferiram fechar os olhos para o caos que tomou conta de suas ruas imundas e passaram simplesmente à destruir o nome da minha família.
Vocês têm a cara de pau de não publicar UMA LINHA sobre a onda de assassinatos que ocorre na sua cidade tão conservadora, e ao invés de estarem contando para sua população que pedaços de corpos são achados diariamente, vocês mandam uma repórter com cara de prostituta até a minha porta aqui em Londres para saber como eu estou vivendo? O que vocês esperam? Que eu surte também e comece a matar?
Toda a minha família veio pra cá para ter paz. Esse seu jornal patético destruiu nossas vidas. Não conseguíamos mais encontrar emprego, tratamento de saúde e meus sobrinhos eram espancados frequentemente nas escolas por causa das suas espetaculares notícias. Parem de falar sobre meu marido, já que a única coisa que ele fez, foi mostrar que sua cidade é podre, cruel, corrupta e cheia de assassinos.
Ele simplesmente só os fez saírem de seus esconderijos.
Esta é a última carta que escrevo, e deixo um aviso:
Se o nome de minha família for citado mais uma vez em suas reportagens, juro por Rá, que o próximo assassinato em massa ocorrerá na sua redação.


atenciosamente  [CENSURADO]


(brigando com o relógio: the Bad.)


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